Painho, de Chico Anísio, não
representa uma entidade, ou os valores do Candomblé ou da Umbanda, representa
um pai de santo. Também o Tim Tones, do mesmo Chico Anísio, é um pastor
inescrupuloso que só pensa em dinheiro, não representa os valores evangélicos
em si, mas um charlatão. Então a sexualidade de Painho ou o charlatanismo de
Tim Tones revelam estereótipo, mas não tocam na sacralidade do
homem crente, principalmente do fundamentalista. Depois, estes personagens
estavam num período em que dávamos passos tíbios para frente. A democracia dava
sinais de que floresceria. No entanto, desde 2013, estamos, a passos largos,
avançando para o passado e tornamos a ignorância e o ódio instrumentos
políticos. Há quem diga que Jesus mantinha uma relação com Maria Madalena. Há
quem diga que sua amizade com João Evangelista era mais que amizade. Há quem
diga que ele não existiu. Uma coisa é certa, para o fundamentalista cristão,
católico ou evangélico, Jesus não é um personagem, é uma entidade sobrenatural:
É Deus. Caricaturar Jesus, para os fundamentalistas cristãos, não é o mesmo que
caricaturar um pai de santo, um padre, um pastor, o papa. Mexer com tipos
humanos, não toca o cerne de suas concepções religiosas. Painho é um pai de santo,
não é o meu pai de santo. Tim Tones é um pastor, não é meu pastor. Irmão
Carmelo (Jô Soares) é um padre, não é o padre que eu admiro. Para o
fundamentalista cristão, Jesus não é uma pessoa, é sua concepção de mundo. É o sentido
de seu mundo. E tocar sua figura é como desfilar com uma suástica em um bairro
judeu. É inútil ficar a apontar-lhes as contradições entre o que pregam e o que
vivem. Eles se sabem contraditórios e “hipócritas”, mas não admitem que se
iguale Jesus a eles. Eles mentem, Jesus não. Eles são hipócritas, Jesus não.
Eles são pedófilos, Jesus não. Eles são corruptos, Jesus não. Jesus não cede
aos prazeres do mundo e da carne. Para o fundamentalista é possível falar do
amor de Deus e não amar, falar da misericórdia de Deus e ser incapaz de
perdoar. Falar da predileção de Jesus pelos pobres e atear fogo num morador de
rua. Hipocrisia? Não! Irracionalidade! Hipócrita é quem sabe se aproveitar
desta irracionalidade. E entre nós os hipócritas têm prestando serviço a quem
conta com o ódio para governar. Nenhuma forma de censura é justificável. Temos
todo o direito de negar a existência de Jesus, de “brincar com sua figura”, de humanizá-lo,
reencarná-lo em nossa história. Aceitando, negando, admirando, desmerecendo ou
não, Jesus não pertence a um grupo ou outro, Jesus, tendo existido ou não, é
patrimônio da humanidade. A minha relação com este patrimônio, à medida que
amadureço minhas ideias, minhas concepções de mundo, quem estabelece sou eu. Daí
eu poder fazer piada com Jesus. Mas eu não faço piada para mim mesmo, eu faço
piada para uma plateia. Eu não sou só, eu sou ser de relações. E eu preciso
entender as relações em que estou, para que a piada seja piada e não provocação
barata, desnecessária. Uma piada que não faz rir, não faz pensar, cria apenas climão.
E climão é combustível a aqueles que sabem canalizar a irracionalidade a seu
favor. Nossa estratégia não pode ser a de colocar a mão num vespeiro. Lutar,
resistir, insistir contra o estado do que está posto requer bom senso e humor,
mas um humor que nos leve a pensar e não apenas a agitar bandeiras. O louco ri
da gravidade das coisas, o irracional furibundo à provocação. O problema é que
poucos são os loucos e os irracionais estão quase todos à direita da margem.
Fazer rir leva a pensar, mas é preciso pensar para fazer rir.
sexta-feira, janeiro 10, 2020
TUDO POSSO, MAS NEM TUDO ME CONVÉM
quarta-feira, janeiro 08, 2020
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