domingo, setembro 17, 2017

PRIMEIRA NAMORADA




Minha primeira namorada foi um misto de minha irmã, Claudia Ohana – a encontrei numa mala que tio mantinha sobre o guarda-roupa, e Anna Helisa, do 6 ano. Foi num fim de noite de verão, um sábado, que ela me surgiu. Eu assistia ao Viva a Noite com o Gugu Liberato.  Num correr da câmera pelo auditório, ela me sorriu, acenou-me, mandou-me um beijo.  Senti-me ereto, úmido, sem jeito – tia e prima dividiam o sofá comigo. Encolhi-me abraçado à almofada. Fomos dormir. No meio da noite acordei transpirando, ofegante, sedento. Ao meu canto ela ascendia um cigarro, tragou-o e soltou a fumaça em meu rosto. Beijou-me um beijo longo. Senti um suave hálito de menta, misturado a lavanda. Passamos a nos ver com freqüência nos fins de tarde depois da escola. Caminhávamos pela orla, assistíamos ao por do sol da Pedra do padre.  À noitinha, ela se deitava ao mesmo lado e me carinhava até o sono me alcançar.  As pessoas diziam-me eu ser uma pessoa estranha, taciturna, alienada. Num fim de tarde, um domingo, voltávamos da capital, ela me disse adeus. Acompanhei-a perder-se de vista à medida que o ônibus seguia seu destino. Esta semana, em um sebo, folheava a mesma Playboy que tio mantinha em sua mala sobre o guarda-roupa. Tive a impressão de estar sendo vigiado. Um misto de menta e lavanda preencheu o ar. Tomando o rumo do metrô a vi cruzando a faixa de pedestre, quis acompanhar seus passos. Ela se perdeu na multidão. Tirando as chaves do bolso para abrir a porta, veio junto um bilhete: “Rua dos Marines, 68, sábado 18h”. Tomo um conhaque, os comprimidos, procuro dormir. “Não pude esperar até sábado”, sorri-me...  

sábado, setembro 16, 2017

SOBRE A ARTE

A arte se passa despercebida é apenas mercadoria a ser consumida” (Rodner Lúcio)
“A arte incomoda, quando nos faz questões, cujas respostas sabemos e das quais temos medo” (Euripedes dos Santos)

A arte é representação do imaginário, do simbólico, do real. É algo do representado, mas não o representado. Envolve saberes, habilidades, técnicas, sentimentos, sensibilidade, sensações, emoções, paixões, desejos e razões. Envolve a memória, a imaginação, a intuição, a reflexão. É dramática, é cômica, irônica, sarcástica, cínica. É plástica, é performática, é sensual, é erótica, é obscena, pornográfica, amoral. É didática, reflexiva, provocativa, combativa, libertina, libertaria, religiosa, mundana e política. Exprime o sublime, o grotesco, o sagrado: divino-diabólico, e o humano, demasiado humano: suas errâncias, suas desmedidas, suas paixões e desabores, a aventura e as desventuras de seu desenvolvimento. A arte desestabiliza, incomoda, desconforta, confronta, desaponta, estarrece. Também diverte, alegra, emociona, conforta, informa, forma, liberta. Cabe muita coisa à arte, gostemos ou não gostemos, só não cabe o fomento ao ódio e à violência.

domingo, setembro 03, 2017

FOTOGRAFIA



A semana fora toda chuvosa e invernal. O fim de semana prometia ser de encolhimento debaixo das cobertas. Mas o sábado abriu-se outonal: um sol morno entre nuvens, que foi se tornando primaveril. Passamos a manhã lendo e largatinhando. Folheavas o Caderno de Cultura. “Tem uma mostra de cinema italiano rolando, podíamos ir!”, você propôs. A princípio não me entusiasmei com a idéia, preferia ficar em casa lendo, assistindo, dormindo. Você insistiu. “Podemos comer alguma coisa no Frigotto e descer caminhando pela Inconfidência, entre as galerias e antiquários e tomar o ônibus na Pedro Américo. Podemos parar no sebo da Major Diego Mendes”... Você era animada, cantarolava, e comentava sobre um ou outro objeto que íamos observando nos antiquários, um quadro qualquer te lembrou nossas tardes em São Paulo, o parque do Ibirapuera, as escadarias do Municipal, a vista do Terraço Itália... Preferimos Fellini a Pasolini... Encontramos casualmente os Conovanni. Gilberto fotografou-nos. Ao fundo podemos ver o cartaz ilustrativo da mostra, em primeiro plano eu ladeio-te com o braço. Ao centro, você sorri. Lisa esta apoiada a teu ombro esquerdo... Os Canovanni nos deixaram à porta de casa. Combinamos pro final se semana seguinte voltarmos á mostra, dando vez ao Pasolini. Encontrei a foto entre as páginas de um livro: A idade da Razão, de Sartre, que compramos em um outro momento, quando estamos para dar à luz nosso primeiro “gigante”.