domingo, abril 30, 2017

BELCHIOR


Tenho ouvido muito disco, conversado com pessoas, caminhado meu caminho... Belchior

 Eu conheci Belchior numa tarde de junho. Preparávamos fogueira para tio Antonio e o santo de mesmo nome. Ju trouxe o violão e algumas revistas de músicas. Enquanto amarrávamos bandeirolas, Ju passava com tia alguns hinos e reizados. Foi primo quem indagou: “você também toca Belchior? Ju olhou-o e solto um tímido sorriso. Foi neste brilho encontrando o sorriso de primo que Belchior me foi apresentado. Veio o terço, os fogos, os doces, os salgados e sucos. E quando vó permitiu então, primo tomou de empréstimo o violão de Ju. Belchior reinou em dia de santo Antonio. Os olhos de Ju brilhavam aos olhos de primo, o sorriso-canto de primo sorria-cantava para Ju. Belchior, o infinito, onde paralelas se encontram, era o festeiro.

“Ano passado eu morri, este ano eu não morro”. Belchior torna-se imortal, o Corcovado de braças abertos se eterniza.

TEU NOME


 
E no apartamento
 ante o porta retrato
prendo-me ao
 vazio moldurado
corro o olho
aos fragmentos
de teu sorriso
ao chão
fragmentado
Angustiado
Procuro algo de ti
Que tenha
Distraída
Deixado
A noite nua
Cinza-úmida
Me clama
Abro a janela e
Sua brisa me
Envolve
E eu grito,
Eu grito
Eu apenas
Grito
Teu nome
 
 

domingo, abril 16, 2017

A CRUZ QUE EU CARREGO ESTÁ VAZIA: O QUE NELA JAZIA RESSUSCITOU


À Produção e ao Elenco de Passos da Paixão 2017

O Passos da Paixão 2017 nos convidou a pensar nossas práticas pessoais em nosso cenário político cotidiano. Diante da enxurrada de delações premiadas, vazamentos de denúncias de corrupção, desvio de recursos públicos, retirada de direitos, avanços contra políticas sociais, sob o mando de um governo ilegítimo, golpista e impopular, nos colocamos o desafio de retratar a história do Cristo, seu julgamento, seu suplício, sua morte cruel e infame, questionando e submetendo as razões do sofrimento e dor de milhares de homens e mulheres, que compõem a cruz que suporta a aniquilação do Cristo, na ação desmedida dos poderosos deste mundo e sua vão ilusão de que tudo podem. “A cruz que você carrega”, lema-tema condutor de toda a trama que se construiu nos provoca uma resposta à pergunta: “E você, qual a sua cruz?”. Ao lado de quem você caminha: dos "homens de bem", que se acham os merecedores de toda riqueza e que de tudo se apropriam, até de vidas humanas, escravizando-as, ou do Cristo que não cessa de clamar pelos pecadores. À primeira vista, porque o Cristo disse que cada qual tem sua cruz, e que ele se imola pelos pecados do mundo, acreditamos estar a seu lado. Mas desde inicio vamos tomando conta de que ao lado do Cristo também havia ladrões, mentirosos, interesseiros, traidores. Eu estou ao lado do Cristo. Mas em que condição? É uma pergunta que me faço sempre. Mas, enquanto produzimos o espetáculo, eu penso na cruz das ilusões do poder que conduz “homens de bem” a espoliar o trabalhador, o pobre, até o tornar miserável, no sentido econômico e no sentido moral, quando esse se espelha em seu algoz.  Quando a Sagrada Escritura fala de pecadores, não fala de todos os homens, estes pecadores têm um rosto: são os doentes, os inválidos, os empobrecidos, as mulheres (viúvas, prostitutas, adulteras) os gentios (numa linguagem de hoje: os que não pactuam de minha fé), o estrangeiro, os presos sem condenação. Isto está explicito em Mateus, 25, 35-36: "Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver." São os destituídos, os espoliados, os extorquidos, vitimas (sim vitimas) dos meritocratas opulentos, os destinatários do sacrifício de morte que o Cristo nos oferece. Os donos do mundo, os que com eles comungam, riem ante o fracasso do Cristo, continuam sua marcha de mandos e desmando, submetendo parcela considerável de homens e mulheres sob o julgo de seu sádico sistema econômico, seduzindo com seu canto mediático, oportunistas das mais variadas ideologias. Os poderes do mundo rejubilam a morte do Cristo. No entanto, todo o atroz sofrimento do Cristo, sua dor extenuante, sua agonizante morte é uma denuncia do julgamento orquestrado, ajustado aos interesses de juízes e políticos associados ao poder econômico e midiático, que criminaliza e penaliza os já penalizados por seus desmandos. O Cristo carrega em sua dor a expectativa de que faremos dos pecadores de nosso tempo (basta apenas um pouco de sensibilidade social para os perceber) o motivo de nossa cruz. Todos os condenados pelos “homens de bem”, todos os que padecem à ordem da "Família, da Pátria e de Deus”, todos os que não se enquadram no conservadorismo tacanho patriarcal, todos os que vêem suas potencialidades esvaídas por sistemas de castas eufemisticamente meritocráticos. O rosto dos marginalizados, dos empobrecidos (repetimos empobrecidos), dos aprisionados e ou executados sem direito a um processo legal e um julgamento isento, dos desempregados, dos muitos doentes e idosos a quem faltam recursos médicos e assistência social e econômica, compõem a cruz que o Cristo carrega, são os pecadores de ontem e de hoje pelos quais ele se imola. Diante da opulência dos "homens de bem" e das mazelas dos que lotam ônibus e composições de trens e metrôs, de trabalhadores informais e assalariados uma pergunta fica: Quem produz a Cruz do Cristo? A agonia do Cristo atravessa a longa noite de nossa História que resiste à luz do terceiro dia. Tanto sofrimento não pode ser em vão. O silêncio de sua morte atroz nos imobiliza, entregamo-nos às incertezas de nossas ações, quanto mais lutamos contra os senhores do mundo, mais vitimas nos tornamos de suas sádicas injustiças, mais nos vemos extorquidos, alijados de nossas tão sempre incertas conquistas. A cruz do Cristo: os milhões de rostos desfigurados do CAPITALISMO, nos titubeia. Nossa fé (a minha não é religiosa) ousa dizer que não, que a luta é insana e inútil! Mas a cruz do Cristo: o humilde humilhado não comporta a grandeza do Cristo. O Cristo a esvazia de sentido, não é a arrogância disfarçada das elites em programas eleitorais que há de vencer. A longa noite de nossa história é só uma noite longa: Já a luz da ressurreição desponta e com ela a esperançosa mensagem do Cristo: “Ide e contai a João o que estais ouvindo e vendo: Os cegos enxergam, os mancos caminham, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e as Boas Novas estão sendo pregadas aos pobres.” Os pobres hão de se levantar, hão de empunhar a luta, hão de tornar a cruz do Cristo, a cruz da vitória. A dor do Cristo é a dor de quem acredita em sua causa. E o Cristo que morre por nossos pecados acredita que os pecadores: os marginalizados, os expropriados, os extorquidos, os perseguidos, os aprisionados, hão de narrar uma nova história, em que todos hão de ter vida plena. Se a morte infame do Cristo é para os opulentos e poderosos motivos de alegria, a Ressurreição é a garantia de que o Cristo rompe o ciclo de desmandos e inaugura um novo tempo e um novo reinado. Reinado em que os pecadores, figurados no publicano e na prostituta (Mt 21, 31) serão os primeiros. Ainda os raios dessa subversão não nos atingiu. A longa noite de nossa história é apenas uma noite longa. A cruz está vazia: O Cristo venceu o sistema de morte. A Ressurreição há de ser o governo dos pobres e dos empobrecidos, dos marginalizados e dos injustiçados. Este dia atemoriza os poderosos, os "homens de bem", os reacionários, os meritocratas. Eu, como diz a canção, "já escuto os teus sinais. Boa Páscoa a todos!

Grato a todos que tornaram possível o Passos 2017.

Sem nenhum direito a menos!!! FORA TEMER!!!


Claudio Domingos Fernandes