À
Produção e ao Elenco de Passos da Paixão 2017
O
Passos da Paixão 2017 nos convidou a pensar nossas práticas pessoais em nosso
cenário político cotidiano. Diante da enxurrada de delações premiadas,
vazamentos de denúncias de corrupção, desvio de recursos públicos, retirada de
direitos, avanços contra políticas sociais, sob o mando de um governo ilegítimo,
golpista e impopular, nos colocamos o desafio de retratar a história do Cristo,
seu julgamento, seu suplício, sua morte cruel e infame, questionando e
submetendo as razões do sofrimento e dor de milhares de homens e mulheres, que
compõem a cruz que suporta a aniquilação do Cristo, na ação desmedida dos poderosos
deste mundo e sua vão ilusão de que tudo podem. “A cruz que você carrega”,
lema-tema condutor de toda a trama que se construiu nos provoca uma resposta à
pergunta: “E você, qual a sua cruz?”. Ao lado de quem você caminha: dos
"homens de bem", que se acham os merecedores de toda riqueza e que de
tudo se apropriam, até de vidas humanas, escravizando-as, ou do Cristo que não
cessa de clamar pelos pecadores. À primeira vista, porque o Cristo disse que
cada qual tem sua cruz, e que ele se imola pelos pecados do mundo, acreditamos
estar a seu lado. Mas desde inicio vamos tomando conta de que ao lado do Cristo
também havia ladrões, mentirosos, interesseiros, traidores. Eu estou ao lado do
Cristo. Mas em que condição? É uma pergunta que me faço sempre. Mas, enquanto
produzimos o espetáculo, eu penso na cruz das ilusões do poder que conduz
“homens de bem” a espoliar o trabalhador, o pobre, até o tornar miserável, no
sentido econômico e no sentido moral, quando esse se espelha em seu algoz. Quando a Sagrada Escritura fala de pecadores,
não fala de todos os homens, estes pecadores têm um rosto: são os doentes, os
inválidos, os empobrecidos, as mulheres (viúvas, prostitutas, adulteras) os
gentios (numa linguagem de hoje: os que não pactuam de minha fé), o
estrangeiro, os presos sem condenação. Isto está explicito em Mateus, 25,
35-36: "Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de
beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e
visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver." São os destituídos, os
espoliados, os extorquidos, vitimas (sim vitimas) dos meritocratas opulentos,
os destinatários do sacrifício de morte que o Cristo nos oferece. Os donos do
mundo, os que com eles comungam, riem ante o fracasso do Cristo, continuam sua
marcha de mandos e desmando, submetendo parcela considerável de homens e
mulheres sob o julgo de seu sádico sistema econômico, seduzindo com seu canto
mediático, oportunistas das mais variadas ideologias. Os poderes do mundo
rejubilam a morte do Cristo. No entanto, todo o atroz sofrimento do Cristo, sua
dor extenuante, sua agonizante morte é uma denuncia do julgamento orquestrado,
ajustado aos interesses de juízes e políticos associados ao poder econômico e
midiático, que criminaliza e penaliza os já penalizados por seus desmandos. O
Cristo carrega em sua dor a expectativa de que faremos dos pecadores de nosso
tempo (basta apenas um pouco de sensibilidade social para os perceber) o motivo
de nossa cruz. Todos os condenados pelos “homens de bem”, todos os que padecem
à ordem da "Família, da Pátria e de Deus”, todos os que não se enquadram
no conservadorismo tacanho patriarcal, todos os que vêem suas potencialidades
esvaídas por sistemas de castas eufemisticamente meritocráticos. O rosto dos
marginalizados, dos empobrecidos (repetimos empobrecidos), dos aprisionados e
ou executados sem direito a um processo legal e um julgamento isento, dos
desempregados, dos muitos doentes e idosos a quem faltam recursos médicos e
assistência social e econômica, compõem a cruz que o Cristo carrega, são os
pecadores de ontem e de hoje pelos quais ele se imola. Diante da opulência dos
"homens de bem" e das mazelas dos que lotam ônibus e composições de
trens e metrôs, de trabalhadores informais e assalariados uma pergunta fica:
Quem produz a Cruz do Cristo? A agonia do Cristo atravessa a longa noite de
nossa História que resiste à luz do terceiro dia. Tanto sofrimento não pode ser
em vão. O silêncio de sua morte atroz nos imobiliza, entregamo-nos às
incertezas de nossas ações, quanto mais lutamos contra os senhores do mundo,
mais vitimas nos tornamos de suas sádicas injustiças, mais nos vemos
extorquidos, alijados de nossas tão sempre incertas conquistas. A cruz do
Cristo: os milhões de rostos desfigurados do CAPITALISMO, nos titubeia. Nossa
fé (a minha não é religiosa) ousa dizer que não, que a luta é insana e inútil!
Mas a cruz do Cristo: o humilde humilhado não comporta a grandeza do Cristo. O
Cristo a esvazia de sentido, não é a arrogância disfarçada das elites em
programas eleitorais que há de vencer. A longa noite de nossa história é só uma
noite longa: Já a luz da ressurreição desponta e com ela a esperançosa mensagem
do Cristo: “Ide e contai a João o que estais ouvindo e vendo: Os cegos
enxergam, os mancos caminham, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os
mortos são ressuscitados, e as Boas Novas estão sendo pregadas aos pobres.” Os
pobres hão de se levantar, hão de empunhar a luta, hão de tornar a cruz do
Cristo, a cruz da vitória. A dor do Cristo é a dor de quem acredita em sua causa.
E o Cristo que morre por nossos pecados acredita que os pecadores: os
marginalizados, os expropriados, os extorquidos, os perseguidos, os
aprisionados, hão de narrar uma nova história, em que todos hão de ter vida
plena. Se a morte infame do Cristo é para os opulentos e poderosos motivos de
alegria, a Ressurreição é a garantia de que o Cristo rompe o ciclo de desmandos
e inaugura um novo tempo e um novo reinado. Reinado em que os pecadores,
figurados no publicano e na prostituta (Mt 21, 31) serão os primeiros. Ainda os
raios dessa subversão não nos atingiu. A longa noite de nossa história é apenas
uma noite longa. A cruz está vazia: O Cristo venceu o sistema de morte. A
Ressurreição há de ser o governo dos pobres e dos empobrecidos, dos
marginalizados e dos injustiçados. Este dia atemoriza os poderosos, os
"homens de bem", os reacionários, os meritocratas. Eu, como diz a
canção, "já escuto os teus sinais. Boa Páscoa a todos!
Grato
a todos que tornaram possível o Passos 2017.
Sem
nenhum direito a menos!!! FORA TEMER!!!
Claudio
Domingos Fernandes