Em
Aqui Próximo, cidade deveras estupefaciente, a secretaria de segurança, para
melhorar a eficiência da corporação militar, incluiu na formação dos cadetes a
disciplina de artes, que ficou sob responsabilidade de um renomado coronel: Benedito
di Forlì.
Em
aula inaugural à seleta platéia, Forlì exaltou o papel das artes na formação
humana, ressaltando que a arte capacita o homem
para melhor compreender a realidade e nela intervir. “De tal modo”, argüiu o competente
mestre, “a arte pode, sem sombras de dúvida, muito contribuir na formação
militar.”
Forlì, então, teorizou: “um militar com maior sensibilidade
artística, saberá como melhor agir no seu cotidiano conflituoso.” Então Forlì explanou:
“a cor é tonal segundo a incidência de luz. A luz não apenas ilumina os olhos,
ela tranqüiliza, dá segurança, conforta. A ausência de luz conturba, desestabiliza,
ameaça. Assim, tons claros são tons cheios de luz e irradiam harmonia, beleza,
benevolência, gratidão. A ausência de luz carrega a cor de algo sombrio,
agressivo, pervertido... Estas nuances da arte nos ajudam a compreender a ação
militar. Como o artistas precisa saber, compondo sua obra, manipular as cores e
seus tons, o militar precisa saber atuar nas diversas nuances de tons e cores
no seu dia-a-dia. Forlì apresentou, então, à seleta classe duas obras de arte,
produzidas por militares. “Temos aqui, senhores, duas obras que muito contribuem
em nossa reflexão. A primeira intitula-se ‘Passeio pelo Jardins’. Percebam senhores,
como o artista trabalha com delicadeza, o arranjo de cores em tons claros,
suaves, iluminados, despertam segurança. É uma obra que suscita uma certa
reverência. Contemplando este ponto, onde o branco é de uma luminosidade impar,
nos vem de curvar-se e pedir perdão. Esta outra obra, pelo contrário, veja como
ela agride os olhos, seus tons carregados, sombrios, agridem e desestabilizam. Diante
desta tela, principalmente onde o preto é retinto, a sensação de ameaça é tal,
que nos vem de sacar a arma e descarregá-la, em legítima defesa.” O silêncio
estarrecedor foi rompido com a pergunta de um cadete selecionado para
participar do prestigiado evento: “Senhor, esta segunda obra, qual o titulo
dela?” “Um corpo negro!”, respondeu o comandante, sob efusivos aplausos.
Presente à apresentação, O governador agradeceu Forlì pela
magistral lição e pronunciou: “Senhores, se a arte está presente em
toda e qualquer atividade humana, se ela é uma prática que acompanha o sujeito e
o modela, ela já está presente na formação de nossos militares e os subordinam às
características dos locais onde atuam. Sendo assim, agradeço ao coronel Forlì e
o dispenso da tarefa a ele atribuída, pois revogo a inclusão de sua disciplina
na formação militar, por considerá-la desnecessária a nossos policiais. Um ou
outro, é certo, erra o tom, conturbando os passeios nos Jardins. Mas o erro,
como a arte é presente em toda atividade humana. ‘Um Corpo Negro”, estes onze
furos na tela, é uma obra de arte!”.