domingo, maio 21, 2017
sexta-feira, maio 19, 2017
DEZENOVE
Era um maio noturno, frio, chuvoso.
Um maio de chumbo. O ano 1968. As entranhas da mãe, cumprindo o ciclo biológico,
lutava para o expulsar do útero que até então o acolhia. A mãe, entre
apreensões, incertezas, receios – o momento não era para ter mais um filho –
sofrendo dores da luta, seguia os incentivos da parteira e das mulheres que a
auxiliavam, e forçava o expelir do ansiado rebento. A luta era dele contra as
forças que o expeliam. Ele queria não nascer, queria não entrar no mundo, não
ter que assumir a existência. Sabia ser o útero o seu lugar. Venceu a natureza
e viu-se jogado ao colo da mãe, adoentado de morte. Era frágil o fio que o
ligava a vida. “Não vingaria!” ouviu com contentamento. Não teve tempo de
alimentar-se da mãe apreensiva. Embrulharam-no em panos e correram com ele ao
hospital. Incubaram-no por dias. A técnica venceu o seu não querer ser e, mirrado
e incerto, vingou. Pegou gosto pela incerteza de uma existência longa,
apegou-se ao que é mórbido, ao lúgubre. Em nada se mantém, deriva como barca
sem leme. Nutre o não ser: “o ser é
ilusão e faina”. Tudo lhe é vão, sem sentido. Lamenta as pessoas apegadas a
alcançarem um lugar fugaz num mundo. Quanta labuta por conquistas não fruídas,
porque tênues e ilusórias. Não tem apego ao mundo sempre em desordem, sempre
ruindo. São-lhe como resquícios de sol entre outono e inverno os avanços que a
humanidade alcança. É tudo sempre destempero e tempestade. Os que riem, riem
sobre cadáveres. Existir é-lhe um fardo. “Nunca esforçou-se pela vida, por esse
mundo, por ser”, sua epigrafe. Em todas as suas lutas é vencido... Era um
dezenove quando saltou cumprindo-se.